novembro 10, 2021

Aquele que Passou

Baseado no tempo que passa por nós e o 'nós' que passa pelo tempo

Passei de ano. Passador inveterado, muitas vezes passava raspando, tantas vezes repetindo por falta de notas, todas vezes repetindo o infame comportamento de nunca estar presente , mesmo em dia de festa, tanto em dia de derrotas, o tempo transcorria enquanto eu, só, passava. Sempre esperava, sem esperança alguma (tampouco esperançar) que devia apenas ficar esperando o ano passar. Ficava na insana repetição de colher acasos. Passados muitos pássaros, estação ia, vinha, passava, voltava a me perceber andorinha sozinha, sem verão, sem revoada, sem direção.

Meu passar passante era pesado pesadelo.

Apenas parado, agora sendo mais prado do que pássaro, fiquei eternamente de plantão, sem atender ninguém, sem atendimento algum. Nem retorno, não anotava recados. E de tanto imitar planta poste, fiquei fixo em achar que a ausência é falta. De passador me tornei fixador da ideia de achar coisas sem nunca encontrar. Voando ou com os pés no chão eu era o meu próprio futuro repetindo o passado no presente. Sem ser canção, cansado, sem ganho, com dores, nem perdas. Paradão, feito alfinete moralista e conservador como no conto um apólogo de Machado de Assis.

E numa Drummondiana lástima, dei-me conta da ignorância de lastimar essa falta. Afinal, se repete o ano também por ausência.

Hoje não lastimo a falta. Compreendo a muita custa de aprendizado continuo que inexiste falta na ausência. Que na real, o estado de ausência é a capital do estar estar em mim.

Ausência acolhida, entendida, assimilada. Um sentimento de contradição que quando presente, convido-a para dançar, exaltar em exclamação sorridentes.

Conforme a conclusão de Drummond, que aqui me inspiro a escrever, "essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim".

Aquele que passou é você, nunca o outro que passou longe do caminho que é exclusivo seu

Enquanto ao que passou, ao passado em fragmentos, o que pássaro, esse passado, passo agora rindo, dobrando as esquinas curvas do meu caminho, que se faz enquanto rio e passo. Sempre indo e rindo, às vezes sério (sem ser severo comigo), sempre em frente. Passando um passado de cada vez se constrói o passo que sola o caminho.

Aquele que passou é você quem passa no agora, nunca o outro que passou longe do caminho que é exclusivo seu, e o que pertence a cada passador. Siga. Prossiga. Adiante com sua trajetória. Mesmo que só você a leia sua trajetória, já valerá o esforço de caminhar. Esperançar alcanca quem se move para alcança-lo, para alçar vôos com Impulso dos pés no chão concreto. A vida é dura demais para só ficar. Ande pelo asfalto da estrada quente. Movendo o mundo sob seus pés é que se encontra chão de terra. Plante em vez de ficar parado. Pause prá pensar. Não pare prá ficar pesando os pensamentos. Peso só pra exercitar a cuca. Halteres às ideias. Supine o peito aberto a novas formas de se pensar. Lembre de exercitar as pernas para caminhar, correr, saltar.

O ano vai passar e agora eu não passei. Passar ficou no passado. O tempo é o vento que me atrita ou atira enquanto me causo movimento. Aquele que passou sou eu. Aquele que ficou fui eu. Aquele que irá chegar é eu no presente avançando meu futuro.

Não seja só quem passou por aqui. Exista durante sua passagem. Eternidade é dura ação de um tempo que é pura percepção.